Vieira de Melo deixou um exemplo a ser seguido
Sebastião Nery
Afonso Arinos, que passou a vida entre a Câmara e o Senado, disse que ele foi “o maior parlamentar brasileiro desde 1930”. Nestes tempos de Congresso apequenado, o pais devia ter celebrado com mais calor o centenário de Tarsílo Vieira de Melo. Foi um homem do Legislativo por um quarto de século. Em 1945, com 32 anos, já se elegia para a Assembleia Constituinte. Em 1947, secretário de Educação e Saúde dos governos Otavio Mangabeira e Regis Pacheco. Eleito Juscelino presidente, foi líder da Maioria na Câmara, comandando as batalhas para livrá-lo das tentativas de golpes da UDN.
Homem de esquerda no PSD, era o secretário-geral da LEN (Liga de Emancipação Nacional). Em 1964, o golpe militar o encontrou no comando da oposição, aliado a JK, Jango e Lacerda na Frente Ampla pela volta da democracia. Dissolvidos os partidos, ajuda a fundar o MDB com Ulysses Guimarães e assume a liderança na Câmara.
Na véspera de morrer suspeitamente atropelado, lamentava:
– Não sei bem o que está acontecendo com o Brasil. Mas é cada dia menor o número dos que se dispõem a defender a liberdade e a democracia. Veja a História do Brasil. Em todas as épocas, quaisquer que fossem as circunstâncias, havia sempre um grupo de homes mais velhos, mais experimentados, jogando lideranças e às vezes a própria liberdade exatamente para defender a liberdade.
E passou a me citar nomes, de José Bonifácio a Joaquim Nabuco, de Ruy Barbosa a João Mangabeira:
– Hoje, parece que os mais velhos estão se aposentando cedo demais da liberdade, da democracia, da luta política. A UDN enrolou o lenço branco e escondeu lá no fundo do bolso. Por isso fico feliz, toda manhã, quando leio o Hélio Fernandes, o Castelo Branco, você, outros, brigando a briga diária de defender a liberdade e a democracia no Brasil. Você me conhece e sabe que não tenho mais ambições políticas, a chamada vida pública me deu o que eu podia querer de experiência e qualquer alimento para a vaidade. Um mandato de deputado, agora, para mim, pode ser até um estorvo para minha vida pessoal. Mesmo assim, vou para a Bahia buscar de novo o mandato. Não quero continuar voltando para casa, todo dia, com a sensação de que também eu me aposentei da fé na democracia.
PROFISSIONAL DA DEMOCRACIA – Vieira de Melo foi isso. Um profissional da democracia. Os homens de sua geração, os jornalistas mais antigos podem dar depoimento ainda melhor. De 1945, quando a Bahia o mandou para a Câmara Federal, até 1967, quando perdeu as eleições para o Senado pelo MDB por alguns mil votos, Vieira foi sempre um plantonista da democracia.
Quando lhe levaram provas de que ele havia ganho as eleições de 67 e tinha sido fraudado pelo mapismo eleitoral, negou-se a denunciar:
– Uma denúncia desse tipo pode acabar ajudando aqueles que querem liquidar de uma vez com o voto popular. Não a farei. Não a farei também porque o Aloísio de Carvalho é um democrata e não tem nada com isso.
Dias depois, foi misteriosamente atropelado em Copacabana, na porta de sua casa. Foi um tipo de homem que está acabando no Congresso. Mas existiu.